Durante a aula do dia 28 de novembro de 2013, houve uma discussão sobre
o diálogo de Platão e a sociedade contemporânea. Os acadêmicos
pontuaram que os interlocutores têm que defender um ponto de vista,
conforme a figura de Sócrates, mestre de Platão. E diante
do questionamento do professor Nelson Matos de Noronha sobre Há uma
tecnologia no ensino da Filosofia?
Proponho a leitura dessa passagem do FEDRO para que façamos a discussão sobre o uso da tecnologia no ensino de Filosofia:
SÓCRATES:
Pois ouvi contar que, perto de Náucratis, no
Egipto, havia um daqueles deuses antigos do
lugar, cujo símbolo sagrado era a ave a que cha-
mam íbis. O nome dessa divindade era Theuth.
Pois dizem que foi ele o primeiro a descobrir a
ciência do número e do cálculo, a geometria e a
astronomia, também o jogo das damas e o dos
dados e, ainda por cima, a escrita.
O rei de todo o Egipto, nessa altura, era Ta-
mos, que habitava a grande cidade da parte alta
do país, que os Helenos chamam Tebas Egípcia
e cujo deus é Âmon. Theuth foi até ao seu pa-
lácio, mostrou-lhe os seus inventos e disse que
precisavam de ser distribuídos aos outros habi-
tantes do Egipto. O rei, no entanto, perguntou-
lhe que utilidade tinha cada um deles, e, perante
as explicações do deus, conforme lhe pareces-
sem bem ou mal formuladas, a uma censurava e
a outra louvava. Diz-se, na verdade, que Tamos
apresentou muitas observações a Theuth, num e
noutro sentido, a respeito de cada uma das artes,
que seria longo referir em pormenor.
Quando, porém, chegou a ocasião da escrita,
Theuth comentou “Este é um ramo do conhe-
cimento, ó rei, que tornará os Egípcios mais
sábios e de melhor memória. Na verdade, foi
descoberto o remédio da memória e da sabedo-
ria.” Ao que o rei responde: “Ó engenhosíssimo
Theuth, um homem é capaz de criar os funda-
mentos de uma arte, mas outro deve julgar que
parte de dano e de utilidade possui para quan-
tos dela vão fazer uso. Ora tu, neste momento,
como pai da escrita que és, apontas-lhe, por lhe
quereres bem, efeitos contrários àqueles de que
ela é capaz. Essa descoberta, na verdade, pro-
vocará nas almas o esquecimento de quanto se
aprende, devido à falta de exercício da memó-
ria, porque, confiados na escrita, recordar-se-ão
de fora, graças a sinais estranhos, e não de den-
tro, espontaneamente, pelos seus próprios sinais.
Por conseguinte, não descobriste um remédio
para a memória, mas para a recordação. Aos es-
Fedro
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tudiosos oferece a aparência da sabedoria e não
a verdade, já que, recebendo, graças a ti, grande
quantidade de conhecimentos, sem necessidade
de instrução, considerar-se-ão muito sabedores,
quando são, na sua maior parte ignorantes; são
ainda de trato difícil, por terem a aparência de
sábios e não o serem verdadeiramente.”
(...)
Portanto, quem julgasse transmitir na escrita
uma arte e quem, por sua vez, a recebesse,
como se dessas letras escritas pudesse derivar
algo de certo e de seguro, mostraria muita
ingenuidade e desconheceria realmente o
oráculo de Âmon, se crêem que os discursos
escritos são algo mais do que um meio de fazer
recordar a quem as sabe já as matérias tratadas
nesses escritos.
FEDRO:
Muito justamente.
SÓCRATES:
É isso precisamente, Fedro, o que a escrita
tem de estranho, que a torna muito semelhante à
pintura. Na verdade, os produtos desta permane-
cem como seres vivos, mas, se lhes perguntares
alguma coisa, respondem-te com um silêncio
cheio de gravidade. O mesmo sucede também
com os discursos escritos. Poderá parecer-te que
o pensamento como que anima o que dizem; no
entanto, se, movido pelo de aprender, os interro-
gares sobre o que acabam de dizer, revelam-te
uma única coisa e sempre a mesma.E, se uma
vez escrito, todo o discurso rola por todos os lu-
gares, apresentando-se sempre do mesmo modo,
tanto a quem o deseja ouvir como ainda a quem
não mostra interesse algum, e não sabe a quem
deve falar e a quem não deve. Além disso, mal-
tratado e insultado injustamente, necessita sem-
pre da ajuda do seu autor, uma vez que não é
capaz de se defender e socorrer a si mesmo
5 comentários:
Quando se diz que "os interlocutores devem defender um ponto de vista, conforme a figura de Sócrates", deve-se entender que a argumentação é elemento imprescindível para a tarefa de dar à mídia o interesse em transmitir informações com o máximo de credibilidade, pois acredito que a passividade dos que "consomem a informação" é o principal fator para a situação degradante na qual a mídia se encontra atualmente. É nesse sentido que, assim como Sócrates, podemos apontar a deficiência da escrita que não possibilita questionamentos, o que faz do ato de exigir uma resposta, não só um direito, mas um dever.
Obrigado por seu comentário, Bruno Lomas. Gostaria de destacar, na anedota narrada por Sócrates, no Fedro, diálogo escrito por Platão, que ali se interroga a eficácia da nova ferramenta, a escrita, no que tange à fornecer os esclarecimentos que o leitor reclama ao texto, o qual, sem a presença de seu autor, torna-se mudo.
Vendo a coisa por outro ângulo, pode-se interpretar esse história como uma defesa do uso da palavra viva como recurso indispensável do pensamento e como a única modalidade legítima de pronunciamento do discurso verdadeiro ou do livre pensar.
A escrita como ferramenta, somente será permeada de êxito na ação, no devir, na reflexão de seu conteúdo e estrutura, o texto pelo texto se torna altamente descontextualizado e este fato se configura um problema e tanto em uma sala de aula com alunos insensíveis ao estudo da filosofia. Portanto é necessário sempre dar passos para trás para enxergar-se holisticamente, seja um texto filosófico, um texto no jornal de 25 centavos ou até mesmo a simbologia apresentada na tv e na internet. Entender que a filosofia possibilita esta nova visão é um dos primeiros passos para o filosofar.
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